terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Tributo a Al Berto/1

Livro: O ciclo menstrual da noite, Castelo Branco: Edium Editores, 2008
Autora: Alice Macedo Campos
Morada do silêncio: A tradução da memória



tributo a al berto



«o homem está sentado, descansa, desiste de viver. instalado na desordem da sala, o seu corpo é um móvel, um barco atracado. há uma voz que diz que os peixes dormem. é amparo. a mulher atravessa a memória com uma caixa na mão. a dor está ali perto. planta os remédios e verte o resto dos copos. limpa as fezes do gato que figiu da vizinha. um poema, diz ele, é um sítio melhor do que a marquise.
o homem sabe que tem um animal no pensamento. e não tira a mulher da cabeça. fecha os olhos e escreve um nome no interior das pálpebras. suponhamos, por exemplo, a palavra frio. essa palavra pode ser o fundo do mar. ou a profundeza da memória. suponhamos a mesma palavra vestida de branco. essa palavra pode ser o leite do gato. a mulher vestida de noiva. suponhamos a mesma palavra vestida de preto. essa palavra pode ser uma viúva. um disco de vinil rachado. suponhamos a mesma palavra despida. essa mulher pode ser a mulher nua. o gato com medo da água. suponhamos a mesma palavra vestida com um agasalho. essa palavra não existe. deixa de haver frio sobre a terra. amparo morre».
Página 32